Conceda-se ao presidente Lula o benefício da dúvida e aceitem-se os números que ele invocou para justificar o veto ao trecho da Lei Orçamentária de 2010 que cortaria os recursos previstos este ano para três empreendimentos da Petrobrás, cuja paralisação o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou devido a irregularidades "graves" - entre elas, superfaturamento, sobrepreço, critérios inadequados de medição e gestão temerária. Trata-se da construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, da modernização da Refinaria Presidente Vargas, no Paraná, e da implantação do terminal portuário de Barra do Riacho, no Espírito Santo. As duas refinarias fazem parte do PAC. Juntas, essas obras deverão receber no exercício R$ 13,1 bilhões. No ano passado, o Congresso não só se recusou a tirar essas obras da "lista negra", como acrescentou-lhe outra ainda, a do complexo petroquímico do Rio de Janeiro.
Ao justificar o veto, Lula alegou que a interrupção dos trabalhos acarretaria "prejuízo imediato de aproximadamente 25 mil empregos e custos mensais da ordem de R$ 268 milhões". Além disso, o atraso resultante privaria o Fisco do ingresso de R$ 577 milhões mensais. Pode ser pura verdade, mas atribuir as perdas ao TCU é uma deturpação grosseira dos fatos. Equivale a culpar o médico pela enfermidade que diagnosticou. Ou responsabilizar a polícia pelos gastos do setor público no combate à criminalidade. O que prejudica o País, evidentemente, não é o TCU - que o presidente gostaria de emascular -, mas a incapacidade gerencial que se revela na elaboração de projetos eivados de ilicitudes. Isso, numa hipótese caridosa, porque a prática do sobrepreço, por exemplo, não resulta de má administração, mas de más intenções. A combinação de incompetência e roubalheira é proverbial na relação do Estado com os executantes de grandes obras no País (e provedores de grandes contribuições eleitorais).
Seria mais simples extinguir o TCU de uma vez por todas se o órgão desse de ombros para as consequências lesivas ao interesse público de procedimentos absurdos, que não se tornam menos absurdos por serem corriqueiros. É comum a realização de licitações com base em apenas um memorial descritivo da empreitada em questão, desacompanhado do projeto executivo - uma estrada, digamos, sem o detalhamento do seu traçado. É o que permite aos vitoriosos, mal secada a tinta do contrato firmado com a administração, ornamentá-lo com os chamados termos aditivos que encarecerão o custo da obra em até 25% (quando esse limite legal não for transgredido mediante uma esperteza ou outra). Apenas a mudança nas exigências em processos licitatórios decerto eliminaria metade das mamatas que se seguirão. À falta disso, o remédio de última instância é parar o trabalho até o saneamento ou a reparação das irregularidades. Essa posição é adotada pela própria Controladoria-Geral da União.
Naturalmente, a escala do desperdício - para não dizer outra coisa - tende a ser compatível com o porte da obra. No caso da Refinaria Abreu e Lima, auditoria do TCU identificou indícios de superfaturamento de R$ 96 milhões e sobrepreço (valores acima dos praticados no mercado) de R$ 121 milhões nos serviços de terraplenagem. A Petrobrás nega que tenha havido irregularidades. Segundo a empresa, "existem diferenças nos parâmetros" utilizados por ela e o tribunal. Interessante a alegação. Leva a crer que a terraplenagem da área onde será erguida uma refinaria é intrinsecamente diferente do mesmo trabalho para a construção de um hospital ou de um estádio. Esses aborrecidos detalhes, de todo modo, não contam para o presidente Lula. O que deve lhe dar hipertensão são os controles institucionais do gasto público - ainda mais quando podem interferir com o grande investimento que programou para este ano: fazer da ministra Dilma Rousseff a sua sucessora - ou melhor, continuadora.
A campanha de Lula contra o TCU é tão ostensiva como a que faz para a candidata. Em agosto passado ele chegou a dizer que o órgão "quase governa o País". Segundo a sua ética de resultados, "quando está tudo resolvido (sic), vem o TCU, faz investigação e diz que tem sobrepreço". A intromissão, portanto, deve ser tolhida ou os seus efeitos revertidos com uma canetada. Entre a conclusão de obras a que custo for e a moralidade pública, Lula de há muito fez a sua escolha.
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